A Caxifornia aqui mesmo ao lado.
Há vários teóricos que defendem que o real morreu ou que talvez mesmo nunca tenha existido. Tal afirmação pode provocar espanto, especialmente se formos adeptos da prática da fotografia enquanto um mero espelho do real. A história da fotografia sempre nos ensinou a desconfiar da fotografia enquanto mera reprodução do real, especialmente nos tempos actuais em que dispositivos de inteligência artificial conseguem fabricar imagens bastante (hiper) realistas que enganam um olhar menos cirúrgico ou treinado. Nesta perspectiva, a questão da autenticidade das imagens não nos parece sequer pertinente para ser debatida. De facto, as imagens que Renato Cruz Santos nos apresenta do território das Caxinas têm em si algo de bastante real, mas ao mesmo tempo surreal pois trata-se de uma visão ou construção visual de um território bastante peculiar. Passo a explicar: a wikipedia diz-nos sucintamente que:“As Caxinas são uma zona piscatória, que faz parte de Vila Do Conde. Núcleo piscatório, carregado de tradições (…)”O que a wikipedia não nos diz é que as Caxinas é um território entre duas cidades: Vila do Conde (onde pertence por zona geográfica) e Póvoa de Varzim. Ou seja, uma espécie de fronteira, um território com características próprias e, segundo os seus habitantes, orgulhosamente únicas. É precisamente nesta zona ao mesmo tempo indistinta e idiossincrática que nascem as imagens tão mágicas e peculiares de Renato Cruz Santos, imagens essas que nascem da intuição não de um fotógrafo de passagem, mas sim de um nativo, de um “menino da terra”, se assim o podemos designar. São de facto imagens que nos mostram um território que, salvo raras excepções, não se vislumbra da estrada na marginal onde os turistas ou veraneantes se passeiam, mas aquela que obriga a que se entranhe por entre as ruas e vielas mais interiores, onde habitam os nativos que o fotógrafo conhece tão bem.
Se os americanos têm a original Califórnia, também ela uma zona fronteiriça, Renato Cruz Santos oferece-nos nesta exposição concebida de raiz para a Escola das Artes a sua visão daquilo que podemos apelidar da “nossa Caxifornia”, tão única e especial, tão real, mas ao mesmo tempo irreal. Pergunto-me se após esta exposição, as chaves da cidade não seriam bem entregues a um conterrâneo genuinamente apaixonado pelo território que o viu crescer e que tão bem conhece.
Carlos Lobo